domingo, maio 22, 2005

As pipocas

Quem não se lembra das festas e feiras populares onde, além do algodão doce, havia sempre uma barraquinha que vendia pipocas? O algodão doce era mais acessível pelo preço, mas lambuzava a cara e as mãos, e deixáva-nos à mercê de um qualquer guardanapo tirado da esplanada que estivesse mais próxima, após se "engolir" aquela goluseima que só nos passava pelo estreito uma ou duas vezes por ano.
Quando queríamos pipocas em vez do tradicional algodão doce, éramos sempre advertidos para o facto de aquilo ser milho com um bocado de açúcar e não valer o preço que custava. Os tempos eram outros e rendíamo-nos àquilo que nos ofereciam. E já gozávamos...como se costuma dizer!
As coisas andavam assim, devagar, sem grandes alaridos ou birras, porque o dinheiro não abundava e existiam outras prioridades que não as goluseimas e afins. Era o tempo em que só no primeiro dia de escola (na entrada para a 1ª classe) um dos nossos Pais nos acompanhava para a apresentação e ambientação à nova realidade, mas sómente por uma ou duas horas, que depois entrávamos para a saula de aula (que normalmente era a mesma da 1ª à 4ª classe), e começávamos a estudar o bê à bá. No meses e anos de escola que se seguiam lá íamos sózinhos rua fora, e sempre com a esperança que nunca tivessemos que ir novamente com um dos Pais porque era sinal que alguma coisa tinha corrido mal e, de certo, iríamos levar um puxão de orelhas. Naquela altura, além das matérias normais (ler; escrever; fazer contas), tínhamos que decorar todos os rios e afluentes de Portugal Continental; Ilhas e chamadas províncias ultramarinas; mais as linhas férreas; cidades; serras; regiões e sei lá mais o quê ! Mas se ainda hoje perguntarem a qualquer um de nós onde se situa determinada cidade; serra ou rio, somos capazes de rápidamente fazer a localização exacta, ou pelo menos com uma margem pequena de erro.
Hoje utiliza-se o GPS......é mais fino e menos falível.
Aprendia-se a tabuada com uma cantilena, que ajudava e bastante a decorar as quatro operações que as máquinas de calcular primeiro e os computadores depois vieram banalizar. Contávamos pelos dedos ou com a ajuda de caricas. Brincávamos no recreio às escondidas (na altura não se podia jogar à bola), e tínhamos apenas por colegas de brincadeira e carteira uma espécie humana do mesmo sexo, porque as escolas eram divididas. Rapazes numa escola, raparigas na outra. Na minha rua havia uma escola [que ainda existe e funciona] (não sei se foi uma das razões que levou os meus Pais a escolher morar ali quando viemos da nossa terrinha), e que dava bastante jeito. Na 1ª classe lembro-me perfeitamente da professora que nos armava uma reguadas bem dadas sempre que fazíamos alguma coisa de anormal. Digo bem dadas (não é que as merecessemos ou que era correcto este método de amansamento das criancinhas), mas o raio da régua era grossa e pequena e assentava bem na palma da mão. Tantas vezes me lembro de estar a passar as palmas das mãos pelos botões da bata para atenuar a dor.....A partir da 2ª classe tive a sorte de apanhar o professor Vieira até à 4ª. Era o director da escola e régua era uma "ferramenta" que para ele não existia. Sorte a nossa. Felizmente, e com alguma regularidade, ainda hoje eu; o Bigotte o Rui Casimiro e o Vitor (todos oriundos da mesma rua e escola primária), nos encontramos normalmente num grupo mais alargado que se foi conhecendo ao longo da nossa juventude. Por falar em juventude, nessa altura já havia cinema ;). Umas coboiadas; karatés; aventuras várias, sei lá. E o cinema era um local de culto onde as pessoas acediam a ir durante uma; duas ou três horas para ver, num ecrâ gigante e às escuras a magia dos filmes; os actores preferidos, e às vezes, com uma miuda ao lado, aproveitar para dar as mãos e uns beijinhos às escondidas...
Depois os cinemas viraram igrejas de seitas religiosas; fecharam por falta de assistência, e por outras razões várias que ditaram o encerramento de uma grande parte dos que existiam pelo menos em Lisboa. Entretanto apareceram os clubes de vídeo e recentemente de DVD's; a indústria inventou o "home cinema" (como se fosse possível substituir a magia de uma sala de cinema por uma qualquer aparelhagem a um canto de uma sala lá de casa) e o cinema em termos de assistências continuou a decair.
Vai daí, algum(a) iluminado(a) inventou aquilo a que eu costumo chamar a "parolice do século".
Então não é que a partir de determinada altura passou a ser permitido comer e beber dentro de uma sala de cinema ?
Quando era pequeno sempre me ensinaram que comer e beber era na cozinha ou na sala de jantar (nos dias de festa), e levávamos aquilo à risca. Era lógico, fazia parte de um bom senso comum. Por alguma razão os arquitectos teriam idealizado que uma casa deveria ter os seus espaços próprios para cada função e se bem pensaram assim o levaram à prática.
Mas......uma sala de cinema (onde a privacidade e o respeito por quem está ao lado deveria ser de ouro), virou funcional em vários aspectos.
Conjuga o conceito de "home cinema" na perfeição: vais de tronco nu e chinelos; compras uma barbaridade de pipocas e um balde de coca cola na loja que pertence à cadeia dos distribuidores dos filmes (este conjunto fica mais caro que o bilhete para o filme); vais à casa de banho quando quiseres; atendes o telemovel quando muito bem entenderes (e aí de alguém que te chame a atenção!!); falas alto e comentas o filme para toda a gente perceber que és dotado de um sentido crítico apuradíssimo e, no fim, deixas a sala própria de quem deveria estar num chiqueiro de porcos e não a tentar perceber uma história visionada que pode ser até muito má, mas fica ainda pior vista pelos novos habitantes deste planeta que, a este ritmo, ficará seco; a abarrotar de água nas zonas costeiras e cheio de lixo.
A menos que haja alguma alma caridosa que empreenda viagens para Marte com direito a PIPOCAS, e a grande maioria dos apreciadores desta iguaria vão viver para lá. Sempre poderão amandar os restos cá para baixo para tentar atulhar ainda mais o planeta azul......Mas os que cá ficarmos arranjaremos maneira de, através de shuttles de carga, lhes levar de volta a porcaria que fizeram.

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