domingo, junho 19, 2005

O trampolim

A palavra trampolim faz-nos pensar em ginástica; saltos; acrobacias; circo; jogos olímpicos, e mais uma série de sinónimos que nos possam vir à cabeça.
Todos nos recordamos com agrado e saudade das idas ao circo (quem não foi pelo menos uma vez ao Coliseu ver aquelas companhias de circo que por cá passavam), e de ficarmos embasbacados com os saltos e piruetas que os acrobatas e também os palhaços davam, ajudados por aqueles pequenos rectângulos de madeira abaulada. Ou quando de 4 em 4 anos os jogos olímpicos apareciam na televisão, e aí torcíamos pelos nossos favoritos nos saltos mortais, que mais pareciam dados por atletas feitos de borracha.
Tudo aquilo, tanto no circo como nos jogos olímpicos, era trabalho de muitos anos e muito esforço diário de aperfeiçoamento até conseguirem atingir um patamar em que eram considerados os melhores do mundo tanto como atletas como como profissionais.
O trampolim é pois a ajuda para os grandes saltos; voos e piruetas que o ser humano consegue fazer a nível físico, assim como consegue correr os 100 metros em menos de 10 segundos, e outras proezas que vão sendo batidas ano após ano, à custa de muito sacrifício e trabalho individual e colectivo.
Para mim, e para o comum dos mortais, o trampolim era pois um equipamento que, feito de madeira especial, servia para o fim para que tinha sido criado.
As coisas entretanto mudam, e qual não é o meu espanto quando, há uns dias, dou por mim a associar o trampolim a uma outra faceta de alguns seres humanos.
Se o trampolim era tão só aquele rectângulo de madeira abaulado passou, de há uns anos a esta parte, a fazer parte do vocabulário do mundo profissional e político.
Um exemplo que pode ser retirado de um qualquer jornal semanário ou de negócios:
"O facto de, após ter concluído o curso de gestão de empresas, ter começado como consultor comercial na empresa tal e por lá ter ficado 2 anos, serviu-me de trampolim para assumir a direcção de operações noutra empresa concorrente e, mais tarde, a administração de uma outra empresa que, não sendo do mesmo ramo de actividade, me contratou pelo meu curriculum diversificado. Isto no espaço de 5 anos...."
Nos primeiros 2 anos, este consultor comercial fez um brilharete como angariador de clientes para a empresa, vendeu o que havia e o que não havia, prometeu mundos e fundos e, quando percebeu que era chegada a altura de prestar contas fez dois ou três contactos e pirou-se para outras paragens, começando uma nova etapa da sua carreira.
Ao assumir a direcção de operações na outra empresa, tratou imediatamente de modificar procedimentos e fluxos (sem ouvir a opinião de ninguém). Introduziu na estrutura um ou dois amigos de curso, e delegou-lhes toda a parte chata de obter resultados através de relatórios muito bem arquitectados, cujos dados nunca estão de acordo com a realidade, mas que vão passando sempre como bons até o ano ser fechado em termos de contas.
Por aqui ficou mais dois anos até o ciclo de prestação de contas (leia-se resultados negativos reais nos anos anteriores) ter chegado ao limite possível e já não haver mais desculpas para a "merda" que andou a fazer. Aqui o nosso "amigo" pensou novamente duas vezes e percebeu que teria que mudar novamente de empresa de modo a conseguir sobreviver à tona do pântano que ele normalmente vai criando. Do pensar à realidade foi um pulo, e lá o temos como administrador de uma outra empresa tendo passado à presidência da mesma uma imagem de gestor infalível e portanto apostável.
Claro que temos estado no campo da ficção e em situações que para nós parecem extremas: como é que uma pessoa que tem um passado de maus resultados, consegue ir brilhando e arranjando alternativas.
Mas isto acontece todos os dias, em todas as empresas, e cada vez com mais frequência.
Na função pública, onde se deveria entrar por concurso público, entra-se por cunhas e cores políticas. No sector privado onde a rigidez e avaliação é muito maior, acabam-se por encontrar bastantes "tipos" idênticos ao acima ficcionado.
Eu ainda sou do tempo ;) em que para se entrar numa empresa do sector privado se fazia um teste psicotécnico, teste esse que muitas vezes ditava a entrada ou não na empresa. Hoje, para se entrar, tem apenas que se ter um Dr. atrás do nome, independentemente do curso que se frequentou.
Depois.... depois é só fazer com que essa empresa lhe sirva de trampolim para outros voos e voar até ser confrontado com a dura realidade dos maus resultados.
Se calhar, por isto, temos empresas a fechar diáriamente; cada vez mais pessoas no desemprego, etc...etc....
Um trampolinista que se preze nunca por nunca pensa que o desemprego é um flagelo para todas as famílias que têm a má sorte de experimentar essa dura realidade. Até ao dia em que o veja pela frente ou que alguém mais próximo lhe conte que está nessa situação.
Se calhar precisávamos de voltar uns bons anos atrás e retomar práticas que davam os seus frutos. Para se progredir numa empresa eram necessários uns bons anos de saber de experiência feito (como dizia o Camões), e só depois de se provar que se era um bom profissional, se passava ao patamar seguinte.
Estamos na era dos trampolinistas . Os Yuppies ao pé destes eram uns meninos de coro.
Esperemos que o que vem a seguir seja bem melhor........ou então mais vale arrumarmos as botas e começarmos realmente a acreditar que o futuro não vai ser muito risonho....

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